
DÍPTICO UMBRA|LUMINA
datas
Black Box do Centro Cultural de Belém, Lisboa
6 de Maio
18h30 - Umbra
21h00 - Lumina
8 de Maio
18h30 - Lumina
21h00 - Umbra
Os bilhetes para cada récita podem ser adquiridos separadamente ou em pack. Os espetáculos poderão ser vistos no mesmo dia, ou em dias separados, na ordem que mais desafiar o espectador. Bilhetes à venda na Ticketline.
UMBRA estreou em 2019 enquanto segunda criação de Bestiário. O processo levou-nos a mergulhar na condição humana contemporânea e lançou-nos no caminho de um vazio, de um despojamento – se isso sequer for possível, questionámo-nos a certo ponto. Na procura dessa ascese, afastámo-nos dos ritmos quotidianos e descobrimos o indizível que se esconde na escuridão, lentidão e no silêncio.
LUMINA surge, com naturalidade, em resposta ao processo anterior. Alavancada pela vontade de trabalhar novamente com o desenhador de luz Manuel Abrantes, a quem foi entregue a codireção artística, dissecámos a contemporaneidade e projetámos, num espetáculo-limite, os estilhaços que resultam dos excessos de uma sociedade tendencialmente acelerada através da luz, da velocidade e do ruído.
O díptico UMBRA | LUMINA é, sobretudo, uma experiência performática que procura, em vão, um equilíbrio. O gesto de colocar em diálogo a luz e a escuridão, a violência e a placidez, o pornográfico e o erótico é-nos familiar, e é gerador de uma tensão com um grande potencial dramatúrgico e estético. Casar ambos os espetáculos provoca o nascimento de um terceiro habitat: a zona cinzenta, a no man’s land que não pertence aos criadores, nem à equipa artística, nem às obras: pertence ao observador. O formato díptico desafia não só a curiosidade do espectador como o próprio exercício do seu livre-arbítrio: pode escolher ver ambas as obras na ordem que lhe aprouver, no mesmo dia ou em dias distintos. O produto da colisão UMBRA | LUMINA, como matéria e antimatéria, é eminentemente instável.
teaser
imprensa
Temos medo de muita coisa. Por exemplo, temos medo de nos encontrarmos sozinhos no silêncio de um palco às escuras. E qual mete mais medo: o encontrarmo-nos, o sozinhos, o silêncio, a escuridão? Fugimos de nós, fazemos planos, temos playlists para tudo e pagamos as contas da electricidade.
É no escuro que se manifesta o verdadeiro poder da imaginação, para o prazer ou para a destruição. As imagens caem-nos sobre os olhos, umas atrás das outras, à velocidade do desejo, e cobrem o breu até nos dissiparmos no sono. Porque é que não conseguimos dormir? E se abrimos os olhos e está uma cara, uma boca negra ensurdecedora, um corpo demasiado sensível à gravidade para se conseguir mexer, paralisado e silente? E se abrirmos o olhos e conseguimos ver no escuro? Não é à toa que deus cria primeiro a Luz. Mas agora “apago a luz e contemplo o mundo, o som da pedra.”
UMBRA, nome que vem do último estágio da penumbra, é um espectáculo d’O Bestiário que tenta mostrar o negativo do nosso existir aqui e agora em três dimensões: o silêncio, a escuridão e a lentidão. Sob a direcção artística de Miguel Ponte e interpretação de Afonso Viriato, Joana Petiz e Teresa Vaz, cria-se um ensaio cénico aterrador a partir do debate colectivo e das leituras de cada um, entre elas Byung-Chul Han. Destaco-o porque, durante a peça, lembrei-me intensamente de um dos capítulos de A Sociedade do Cansaço. Nele, Han descreve como passámos da sociedade disciplinar, descrita por Foucault, a sociedade do “dever”, para entrarmos na sociedade produtiva, suportada pelo verbo positivo “poder”, onde cada um é empresário de si próprio. Numa, a sociedade da negatividade, não podemos, temos um dever. Noutra, a sociedade da positividade, podemos, infinitamente podemos, traduzido na máxima afirmativa “Yes, we can, caralho”.
Bem-vindos à vida na cidade global. Embarquem na correria destrutiva. Atenção ao intervalo entre o cais e a picadora.
Agora que podemos ser quem quisermos, por sermos disciplinados e (finalmente) produtivos, estamos entregues a uma liberdade coerciva em prol da maximização da produtividade. Por isso são necessários a evangelização do empreendedorismo, o exército de gurus da optimização, os hackers do crescimento, e as bibliotecas de auto-ajuda para os nossos negócios, tudo por uma descontraída e perpétua subscrição de 10,99, que podemos dividir por quatro. É mais eficaz explorarmo-nos a nós próprios que sermos explorados por terceiros. Já não há tempo para isso. É uma condição da ordem natural das coisas. Elimina-se a barreira entre explorador e explorado, com consequências graves para o indivíduo e, por extensão, para a sociedade: o tal Cansaço.
Em caso de emergência, lembramo-nos do novo credo “impossible is nothing”. E quando de repente damos conta que, afinal, nada é possível, que não somos capazes de poder, de fazer, de produzir, ou que falhámos em sermos nós próprios, ficamos doentes. É no seio da sociedade extremamente positiva que surge a epidemia da depressão.
Logo, é claro que UMBRA só poderia existir hoje. É o reflexo deste Zeitgeist da hiper positividade, do imparável fear of missing out, do inevitável burnout. É a rejeição do ruído de fundo para o multi-tasker. UMBRA tem o mérito de optar pelo caminho mais difícil, ir do caos ao vazio, e encher a cena de escuridão, silêncio e lentidão. Parte de uma multidão de três em contraluz, apressada, trabalhadora, ruidosa, produtiva, condenada à comodificação do seu corpo, dos seus pensamentos, dos seus desejos, dos seus afectos, e despe os sujeitos até se tornarem apenas corpos que se deixam pintar pela umbra.
Este é daqueles espectáculos que não se pode dizer o que é. Digo que não me lembro da última vez que ouvi tanto silêncio em cena, ao ponto de perder a noção do tempo, e de ficar confortável no meu medo do escuro. Digo que quando olhamos o vazio, o vazio olha-nos de volta. E talvez resida nesse olhar a salvação na era da positividade. Até lá, vou para sempre me arrepiar com aquele canto na escuridão, não sei se da Teresa se da Joana, de tão cego que estava.
Crítica de Gonçalo Amadeu Paiva
sobre os espetáculos
UMBRA
Este espetáculo é fruto de um debate pessoal e por isso altamente subjetivo do caminho tomado por cada um para descobrir um despojamento. Essa pergunta também lá está: o que é o vazio? Encontrámos três pontos cardeais — o silêncio, a escuridão e a lentidão — pelos quais pautamos o nosso percurso, ao qual chamamos mergulho.
UMBRA divide-se em três momentos que perfazem o mergulho ao negativo, com respetivo prólogo e epílogo. No primeiro patamar um muro de caixas de cartão é destruído e rearranjado, permitindo a descoberta da cena. O espetador é confrontado com a cacofonia quotidiana, os gestos inconsequentes do dia-a-dia; é confrontado, literalmente, com a luz que impede qualquer existência da sombra.
Desse ambiente frenético brotam palavras que acabam por se cristalizar em três vozes distintas. São três narrativas que criam espaços de silêncio, onde cabe a imagem poética, onde cabe a imobilidade e a lentidão. Mas rapidamente a palavra perde o seu tónus, o seu sentido e transforma-se em som, em vibração, num ritmo telúrico de uma canção antiga, primordial.
Já livres da palavra, os corpos recuam para um tempo ancestral onde o ritual se afigura como uma resposta possível. Transportam o negro nas mãos dialogando com o espaço e com o silêncio; encontram na crueza do carvão o seu ninho. Este ritual transporta a plateia para a zona mais negra da escuridão, onde nada de nomeável existe. Surge uma figura luminosa, no fim de tudo, uma tentativa de tradução do desconhecido que é o fundo deste mergulho. Por fim, no epílogo, ao pressentirem o ressurgimento das luzes, as figuras protegem-se camuflando-se com o breu. A subida à superfície deixa o espetador no mesmo sítio de onde partiu, talvez diferente. Um discurso sobre o vazio será́ sempre um nado-morto.
LUMINA
LUMINA é fruto do desafio lançado a Manuel Abrantes, desenhador de luz, convidado por Bestiário para a co-direção artística de um projeto cujo ponto de partida fosse o desenho de luz. Este encontro convidou-nos a refletir sobre o excesso do contemporâneo: velocidade, ruído, dicotomias natural:artificial, orgânico:máquina, transumanismo, dataísmo e digitalização. Contudo, e talvez como contraponto à claustrofobia provocada pelo cerco tecnológico, LUMINA depende sobretudo da iluminação convencional de cena e do corpo de intérpretes que habitam e manipulam o espaço criado pela luz. Este espetáculo, que surge também como um desafio à normatividade da criação teatral, revela-se um retrato abstrato da contemporaneidade através de imagens que expõem o excesso, o belo, a aflição e a transcendência provocados na/pela luz.
LUMINA nasceu da necessidade - de falar sobre a luz, rapidez e ruído - mas também do inconformismo - ao propor um caminho diferente para o processo artístico. Assim como é a luz, omnipresente e ininterrupta, que dita ao Homem contemporâneo o seu modus operandi 24/7, neste processo, o desenho de luz ditará a construção plástica e poética da equipa artística. Esse excesso e essa velocidade, muito recentemente questionados, serviram de pontos de fuga para a dramaturgia de Lumina. E sendo fiéis à proposta de criar um espetáculo em volta do conceito de Luz, só é justo que partamos dela.
fichas técnicas e artísticas
UMBRA
direção artística, encenação e curadoria de texto miguel ponte
textos afonso viriato, helena caldeira, joana petiz, teresa vaz
criação e interpretação afonso viriato, joana petiz, teresa vaz
apoio à criação helena caldeira
desenho de luz manuel abrantes
música e ambiente sonoro filipe baptista
cenografia e curadoria de figurinos bruna mendes
vídeo jorge Albuquerque, Droid.ID / rafael fonseca
fotografia estelle valente
produção bestiário, diana almeida
logotipo sérgio condeço e neurónio
caderno de espetáculo bruno inácio
apoios fundação GDA, DeVIR CAPa, Largo Residências, Causas Comuns, Casa dos Direitos Sociais
residência artística DeVIR CAPa, Largo Residências
parceiros de comunicação Gerador
agradecimentos ana cris, Flávio monteiro, joão belo, mafalda jacinto, maria joão vicente, modecort, ruy malheiro, raimundo cosme, raquel ribeiro dos santos, sónia rodrigues
M/16
60min
LUMINA
direção artística e desenho de luz manuel abrantes
direção artística, texto e encenação miguel ponte
criação e interpretação afonso viriato, helena caldeira joana petiz, teresa vaz
música e ambiente sonoro filipe baptista
cenografia e figurinos daniela cardante
apoio dramatúrgico antónio pedro marques
vídeo Droid.ID, rafael fonseca
fotografia estelle valente
produção bestiário, diana almeida
assessoria de comunicação helena marteleira
logotipo sérgio condeço e neurónio
caderno de espetáculo bruno inácio
apoios Bolsa d’O Espaço do Tempo Fundação La Caixa BPI, República Portuguesa – Cultura / Direção-Geral das Artes, Câmara Municipal de Lisboa, Polo Cultural das Gaivotas
residência artística O Espaço do Tempo, Teatro Viriato, Metamorphose - Centro de divulgação artística
coprodução O Espaço do Tempo, Teatro Viriato, Centro Cultural de Belém
parceiros de comunicação Coffeepaste, Gerador
agradecimentos BlackBox, david erlich, Devir CAPa, Dizplay Soundlab, editora Bestiário, francisco leone, hélder cardante, luís relógio, mickaël soares, mickaël de oliveira, mónica talina, Metamorphose - Centro de divulgação artística, Oskar&Gaspar, rua das gaivotas 6, ruy malheiro, Teatro da Garagem, Teatro Nacional D. Maria II, yago barbosa
M/16
60min